O dia em que o acaso calou os egoístas

Lembro-me de ter ouvido certa vez acerca de um homem que fora visto vagando, lá pelos lados do norte, e que na imensidão de seu ar misterioso, ficou marcado na memória dos que ali moravam, pela história que agora irei contar.

Estava o mesmo em uma noite comum, caminhando pelas ruas daquela cidade, a sempre pacata Carucurapi. O verão que, para nós, chamamos inverno, predominava, e o céu de cores gris pairava sobre as poucas cabeças, que arriscavam sair de suas casas, a mercê dos caprichos do tempo. As chuvas de abril costumavam ser tão imprevisíveis quanto a espera por um grande amor. E àquela hora, pouco se via além da rotina de praxe, alguns bares abertos, uma meia dúzia de desocupados na pracinha e a juventude que dava vida à escuridão da noite com suas aventuras amorosas.

A passos mansos caminhava aquele moço, que, sem perspectiva de algum destino, depositava fielmente em sua jornada a esperança de toda uma vida, pois quanto a atingir a um fim, isto não lhe era tido por importante ou mesmo necessário.

Deparou-se ele com três homens em meio a uma contenda, que se punham a discutir sobre o que tinham, ou poderiam vir a ter, num maçante jogo de retórica, visando enfim suplantar ao seu próximo. O primeiro asseverava ser forte, e por meio de sua compleição física tentava intimidar aos demais, que temiam a fúria do mesmo. O segundo ressaltava seu charme e beleza, que fatalmente atrairia os olhares de todos, fadando seus companheiros ao esquecimento. O terceiro se envaidecia por ser o mais sóbrio e impecável em sua postura, sempre ilibada, expondo ao ridículo as atitudes dos que o circundavam.

Ao avistarem, os três indivíduos, àquele ser errante e com olhar perdido e despretencioso, o convidaram a participar de tal peleja, no afã de tentar mediar e resolver tamanha lide. Exporam então suas vaidades ao possível julgador, que a todos ouviu atenciosamente. Ao final, depois de tantos e cansativos argumentos e alegações, o andarilho baixou a cabeça humildemente e falou:

"-Hoje saí de casa em busca de respostas, e estas curiosamente me vieram em tons de perguntas. Questionava-me sobre o sentido da vida, sobre o que realmente era essencial para se ter uma existência plena e feliz. E, ao encontrá-los, descobri que para tantos a vida faz tão pouco sentido, que reduz-se à provas inúteis de grandeza. Vós, meus caros, me pediram ajuda, que eu, infelizmente, não poderei lhes ser útil, mas, na contrapartida que a vida bondosamente sempre nos oferta, devotarei-lhes, daqui por diante, minha gratidão, pois me ensinaram exatamente tudo o que eu não pretendo para mim."

E dali então, o silêncio pairou entre aqueles que discutiam, não se vendo mais qualquer vestígio da antiga contenda. E quanto ao cidadão errante, deste não se teve mais notícias, pois seguiu seu caminho, serenamente, galgando seus passos pacientes pela dádiva do amanhã.


Philipe.'.

Um comentário:

  1. "Como um pobre descrente, busquei explicações
    para minhas indagações - tantas dúvidas perseguiram-me, e por tanto tempo.

    "Seriam, ao ver dos detentores da sabe-
    doria, duvidosos, meus métodos aplicados.

    '-Tolo caçador do saber, largue mão de
    sua busca! - disseram-me os sábios.

    "Mas não, insisti, e procurei,
    procurei, e andei.

    "No auge de minha busca, em mais um dos bares
    que frequento - tantos foram os visitados, na esperança da satisfação... e este parecia apenas mais um... - Deparei com um mural
    visualmente tentador, com nomes tão sugestivos. Revirei a memória, atrás do semblante de cada escritor... não consegui.

    ' - Olhe só, meu jovem, não tarda e um deles logo virá e pregará um novo manuscrito aí. Pois os tais Bardos Errantes sempre estão por estes lados desse nosso mundo ilusório - imaginário, eu diria. Mas sente comigo, criança, e lhe contarei uma ou duas coisinhas.' - Disse-me uma senhora de roupas coloridas e alegres, ela descreveu-se assim, horas depois.

    ' - Ei! Chegou um deles', a senhora inter-rompeu-me.

    ' Espere, eu conheço-o! De outra vida, talvez, mas o conheço!' - pensou ele.

    "Aproximou-se do mural e percebeu novos manuscritos, logo estava aturdido com tais esclarecimentos( sim, esclarecimentos! Como quiz chamar o achado precioso de tal busca)."


    Comentou-me, certo dia, um transeunte. Chegava eu de viagem, num barquinho de papel...



    Sr. Narciso.
    ( Penso ser este, o eu daquele dia...)

    ResponderExcluir