Numa tarde de Domingo

Então, foi ali que eu a avistei. Não poderia me confundir, pois aquele jeitinho meigo era único. Somente quem já estivera muito próximo poderia reconhecer as minúcias de seu corpo. Ainda que muitos passassem diante do banco em que eu estava sentado, ninguém conseguia chamar-me a atenção. Sua presença era de um fulgor inimaginável e resistir já não se enquadrava entre as alternativas, senão um dolorido deleite de obrigação.
Ela sorria em minha direção. Eu nunca a vi sorrindo, por isso eu estranhei. Mas não pude retribuir tal gesto. Meus pulmões estavam gélidos e sorrir tornava a dor aguda e insuportável. Meu coração entrou em descompasso e o fluxo de qualquer coisa que passasse por dentro dele, seja lá o que fosse, já não tinha regularidade. Transpirava medo e atração.
As olheiras profundas contrastavam com o pálido de uma face poética. Suas vestes de rainha imponente nem se quer deixava margem para que se pudesse duvidar da possuidora de trajes tão marcados. Não eram dos mais novos, eram até muito surrados para falar a verdade, no entanto, ainda gozavam de um esplendor excomunal. Queria ajoelhar-me em seus pés e deixar-me guiar por aquela entidade. Mas meu nojento instinto humano reclama um pouco mais de tempo. Não sei para quê.
Algo dentro de mim gritava, porém um grito apavorante, sofrido, gemido... E os meus olhos, como que enfeitiçados, acompanhavam a lenta procissão que se organizava às costas da donzela. Era uma marcha de passos resistentes e de corações aflitos, cheios de esperanças frustradas e sentimentos podados. Cada um com suas histórias e com seus devaneios. Alguns conscientes, outros, porém, relutantes com o destino. E eu continuava ali sentado naquele banco em uma tarde sonolenta de domingo. Havia abandonado o meu livro em um canto próximo ao jasmim e me detive a cortejar aquele ritual fúnebre, onde a donzela rainha guiava seus filhos à eternidade.



Tallys Eethan

Nenhum comentário:

Postar um comentário