A hora cobra a hora








A cera branca perambulava vela abaixo, anunciando um fim moroso para a haste alva que teimava em manter sua tímida luz acesa, projetando suas sombras disformes de encontro a pena trêmula que deslizava sobre o papel.


Os rastros de tinta guiavam o olhar cansado do velho que, em sua angustiante solidão, apressava a mão trêmula, tomado por uma euforia que preenchia-lhe os pulmões empoeirados, ansioso por terminar a obra em que tanto trabalhou.


Já beirando o fim da folha, bem quando um suspiro aliviante retraia-lhe o peito, o vento noturno arromba bruscamente a janela, levanto consigo a última ponta de vida da vela, do homem, deixando apenas um sussurro que acabou perdendo-se no vazio da escuridão.


- Velho cego – disse o vento – dedicaste boa parte de tua ínfima existência buscando a imortalidade através das palavras, Graal dos escritores, fadário dos poetas. Sem perceber, tua obsessão afastou todos ao teu redor. Não pôde ver que o medo da morte o impedia de viver. Para ti, pobre tolo, guardei o pior dos fins, o esquecimento...




Thiago Ramos

Nenhum comentário:

Postar um comentário