A vida e o muro





Caminhava a passadas lentas. Seus olhos pesavam, indo de encontro ao chão. Sua expressão transbordava ressentimentos, transparecendo um sutil desalento sob o vazio de seus lábios. Mesmo tentando passar despercebido, um laivo de nervosismo expresso em sua face não escapava aos olhares mais perspicazes que, indiferentes, apenas acompanhavam-no, até ele sumir de vista. Um ar de melancolia seguia seus passos.

Eis que, em meio a devaneios, seus olhos percorrem instintivamente uma frase grafitada num velho muro de um terreno qualquer. Sentiu um ar de ironia que vinha daquelas letras escritas em tom frio. Parou um instante, releu e voltou a caminhar.

Às vezes estamos tão ocupados com nossos problemas que esquecemos que os outros também têm." – era o que estava escrito no muro.

- Que clichê! – exclamou impulsivamente ao lembra-se da frase. Envergonhando, olhou para trás a fim de ver se alguém havia percebido seu eventual descontrole. Inexplicavelmente, não havia mais ninguém na rua. Não questionou para onde foram aquelas tantas pessoas que lhe julgavam com os olhos. No fim das contas, era melhor estar sozinho.

Mais a frente, o rapaz novamente para. Havia algo mais escrito ali: “Talvez isso seja mesmo um clichê. Não estou tentando te convencer a se tornar um bom samaritano.” (...) – repetia em bom tom, surpreso.

Chutou as velhas caixas papelão e a lata de lixo, escoradas na parede. A frase parecia continuar por detrás daqueles entulhos. (...) ”Mas se você entende como as horas demoram a passar em dias angustiantes; se você entende como pode ser excruciante a dor de carregar um problema e não ter ninguém para dividir; se você entende o quão reconfortante seria ter uma companhia naquele cinzento dia. Você deve entender, nem que seja um pouco, do que estou falando.” – repetia aquelas palavras como se fossem suas.

O rapaz levantou-se bruscamente. Suas sobrancelhas franziam e seus dentes rangiam. A eventual raiva dá lugar a uma indiferença forçada. Cruzou os braços um instante, fechou os olhos e balbuciou algumas palavras:

- Como se eu fosse dar ouvidos a um muro!

Talvez, em meio à nossa agitada (e monótona) rotina, convivemos com pessoas que tenham problemas e, mesmo sabendo, nos mantemos indiferentes. Talvez essas pessoas gritem silenciosamente por alguém que esteja disposto a escutar; a oferecer um ombro para chorar; um abraço reconfortante; ou mesmo, um simples sorriso sincero. Talvez alguma dessas pessoas já tenha sido você!” – as palavras pareciam seguir-lhe. Tentou ignorá-las, mas, quando percebeu, elas já estavam em sua cabeça.

- O que você sabe de mim?! – gritou rente ao muro – Como seu eu já não tivesse problemas demais para me preocupar!

Você já percebeu como fazemos mais esforço quando inventamos desculpas, do que faríamos se empregássemos essa disposição para ajudar alguém?” (...) – as pichações continuavam.

- Ninguém sabe pelo que estou passando. Mas sabe por que não sabem?! Porque estão ocupadas demais apontando e julgando meus erros. Mas não se dão ao trabalho de perguntar o que sinto...

(...) “Não estou dizendo para sair por ai “fazendo o bem sem olhar a quem”. Mas pequenas ações podem mudar o mundo. Caso seja você a passar por essa situação algum dia, pode ser que se surpreenda com o número de pessoas à sua volta, dispostas a ajudar.” (...)

- Como se alguém fosse mesmo estender a mão para um estranho... – suas palavras pareciam enroscar em seus pés, a ponto de derrubá-lo.

Levantou o rosto, meio tonto. Uma delicada mão estendia-se na sua direção. Não olhou seu rosto, mas percebeu uma lata de spray na outra mão. Com a ajuda que lhe fora oferecida, ele levantou.

- Obrigado... – só agora percebeu que se travada de uma sorridente garota. Enfim descobriu quem estava pichando o muro.

- Por nada. Talvez pequenas ações possam mudar mesmo o mundo. – respondeu, sorrindo.

Decidiu não falar mais nada, apenas seguiu seu caminho. Mas, por algum motivo, ele parou alguns passos à frente. Virou-se e, com um sorriso, indagou à moça que não parou de observá-lo:

- Você ainda tem alguma lata de spray sobrando por ai?


Thiago Ramos

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